terça-feira, maio 04, 2010

ACRE: UM BREVE HISTÓRICO-Fátima Almeida*



Os cronistas Gaspar de Carvajal e Rojas de Acuña, jesuítas espanhóis, reportaram tudo que viram, subindo o rio Negro num  bergantin,  junto com soldados portugueses: comentaram sobre cidades populosas de índios, em terra firme, sobre seus costumes, trocas comerciais entre indígenas da várzea e os da terra firme, afora outros fatos. Estavam no século dezesseis, fundando missões religiosas e erigindo fortes. Estava deflagrada a guerra contra os indígenas que opunham resistência à apropriação de seus territórios, vencida finalmente quando o grande guerreiro Ajuricaba, líder da liga de tribos beligerantes foi feito prisioneiro e suicidando-se ao jogar-se às águas do rio Negro do convés de uma nau portuguesa.
Na segunda metade do século dezoito, Belém e Manaus já eram importantes cidades com seus portos para exportação de produtos tropicais e importação de manufaturados ingleses. A segunda revolução industrial conduziu milhares de nordestinos brasileiros, afugentados pela seca, em especial a de 1877, para a Amazônia, onde foram produzir borracha, matéria-prima para a indústria européia e norte-americana, em especial a automobilística, com pneumáticos.
A penetração humana se deu até os recônditos da Amazônia, barrada apenas pelas montanhas andinas. Novamente, tribos indígenas foram atacadas, muitas delas condenadas ao extermínio, fosse pelas armas,
fosse pelas epidemias. Adentrando rios e igarapés, ramificações da bacia amazônica, ocuparam uma vasta região nas fronteiras com o Peru e a Bolívia, cuja posse pertencia àqueles países, decorrente ainda de velhos tratados celebrados entre a Espanha e Portugal. Esse fato provocou uma serie de lutas sangrentas, classificadas nos livros de História do Acre como insurreições acreanas.
Os seringueiros acreanos eram trabalhadores extrativistas de borracha, que faziam o cortes com uma machadinha na casca do tronco da árvore Seringueira, abundante na região, bem como do preparo do leite coletado de seus vasos lenhosos, na forma de defumação até conseguir um produto sólido, a péla de borracha que podiam alcançar até 50 quilos. Eles foram arregimentados pelos seus patrões, os seringalistas, que, por sua vez, contrataram um ex-oficial do exército brasileiro, o gaúcho Plácido de Castro, para comandar a serie de batalhas contra o exército boliviano na dita fronteira.
Antes disso, porém, ocorreram alguns movimentos de resistência à ocupação pela Bolívia das terras reconhecidas como suas pelo próprio Itamaraty. Em 1899, o advogado José de Carvalho liderou uma insurreição sem os resultados esperados. No mesmo ano, um espanhol, Luiz Galvez Rodriguez de Árias, proclamou o Acre Independente, com apoio do governador do Amazonas, Ramalho Junior. Galvez elaborou uma constituição, bandeira, criou repartições públicas através de decretos, mandando construir as respectivas sedes, em madeira, inclusive um corpo de bombeiros.O fato foi veiculado em jornais pelo país e o governo brasileiro enviou a marinha para retirar Galvez do Acre.
Em 1900 ocorreu ainda uma segunda proclamação da república do Acre pela expedição de poetas, jornalistas e intelectuais em geral, que partiram de Manaus, em março em direção à Porto Acre sede da ex-república de Galvez, Puerto Alonso, para os bolivianos.
Plácido de Castro, agrimensor, encontrava-se na cidade de Manaus, como quaisquer outros profissionais ou aventureiros em região alvo da cobiça generalizada em razão do “ouro negro”, a borracha. Ele comandou os seringueiros em sucessivas batalhas contra o exército boliviano, de 6 de agosto a 24 de janeiro de 1903, ao longo do rio Acre, até a vitória com a rendição dos bolivianos. Mas ele também foi deposto pelo general Olimpio da Silveira, do exército brasileiro, enviado pelo Governo Federal que lhe retirou inclusive a patente de coronel. Plácido de Castro foi assassinado com dois tiros nas costas, numa emboscada, quando cavalgava em direção ao seu seringal, tempos depois, provavelmente por questões políticas pois se tornara uma liderança inconteste na região. Todos sabiam quem era o assassino, mas ele nunca preso nem levado a julgamento. Os restos mortais de Plácido de Castro encontram-se em São Gabriel, Rio Grande do Sul sendo que em sua sepultura figura um leão atravessado por uma lança no dorso.
A vitória das hostes brasileiras contra o exército boliviano praticamente forçou o Governo da União a assinar o Tratado de Petrópolis no dia 17 de novembro de 1903, quando a região que passou a ser denominada de Acre tornou-se definitivamente brasileira em troca de uma indenização à Bolívia. Do mesmo modo, anos mais tarde foi resolvida a questão com o Peru.
A ocupação do Acre deu-se através da formação de vastos seringais e de povoamentos,  em determinados portos nos diversos rios que compõem os dois grandes vales: o Vale do Purus e o Vale do Juruá. Assim, surgiram as cidades de Rio Branco, Xapuri, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá, Cruzeiro do Sul, Brasília depois Brasiléia e sucessivas outras. A cidade escolhida para capital foi Rio  Branco, antiga Penápolis, homenagem a Afonso Pena. O segundo nome deveu-se à ação do Barão do Rio Branco que formalizou os acordos com a Bolívia.
Nos interiores das florestas ficavam as habitações dos seringueiros, rústicas, feitas de paxiúba,  tronco de uma espécie de palmeira, coberta com palhas da mesma espécie. Nas margens, em cada seringal ficava o Barracão do Patrão Seringalista, no qual realizavam-se as trocas comerciais, quando os seringueiros vinham vender sua borracha e adquirir bens de consumo, armas, munição, ferramentas, etc..E ainda, a casa do dono, um campo com gado e outras construções, podendo haver, inclusive, uma capela, à semelhança dos antigos engenhos.
Nas cidades, tanto as casas de comércio, como as habitações e as repartições públicas eram construídas com madeira. O abastecimento dessas lojas era feito através de navios e barcos a vapor que subiam os rios no período das cheias, de dezembro a março, trazendo mercadorias das praças de Belém e Manaus. No ramo comercial era predominante a presença de estrangeiros, tais como portugueses, espanhóis e, sobretudo, sírio-libaneses. Isso explica a presença da culinária síria entre os costumes do povo do Acre. Muito embora, a grande maioria esmagadora seja de nordestinos e seus descendentes.
O Acre permaneceu  Território Federal até o inicio da década de sessenta quando um decreto-lei assinado por João Goulart o transformou em Estado.
A economia baseada no extrativismo de borracha e de castanha entrou em declínio devido à concorrência da borracha produzida pela Malásia. No entanto, um segundo ciclo de prosperidade ocorreu por ocasião da Segunda Guerra Mundial quando os japoneses fecharam o suprimento de borracha da Indonésia para os Estados Unidos e demais potências européias. Através dos Acordos de Washington, Estados Unidos e Brasil promoveram uma segunda leva de migrantes do nordeste para a Amazônia com o fito de produzir borracha para a indústria norte-americana durante a guerra. Por isso, os seringueiros dessa leva passaram a ser conhecidos como “soldados da borracha”. Pelos Acordos, os EUA financiaram a Companhia Siderúrgica Nacional, e tiveram autorização para manter uma base militar em Natal, além disso, enviaram barcos hospitais, mantimentos e medicamentos para a Amazônia. Desse modo, a economia norte-americana não parou enquanto as bombas caíam em território europeu.
Passada a grande guerra foi restabelecido o suprimento de borracha da  Malásia e a economia da borracha voltou à estagnação. O país vivia a Ditadura Militar que tinha por lema a integração nacional através da construção de estradas tais como a Belém-Brasília.  O Acre é alcançado pela abertura da estrada que o ligará ao centro-sul de onde acorrem agricultores e pecuaristas que promovem uma hecatombe na ecologia regional, botando abaixo vastas áreas de floresta para formação de pastos de boi.
Com a estagnação da economia extrativista e a venda dos seringais para os sulistas, milhares de famílias foram bater às portas das cidades, em busca de habitação e trabalho dando origem aos diversos bairros constituídos no entorno das cidades, em especial Rio Branco, a capital. As péssimas condições de vida devido a não existência de empregos, a falta de qualificação e mesmo o analfabetismo dessas populações passou a ser um problema social da maior complexidade até os dias atuais.
Em razão disso, Chico Mendes líder sindical em Xapuri comandou um movimento chamado de “empate” através do qual, mulheres e crianças se postavam rente às florestas impedindo os jagunços dos fazendeiros de desmatar, por compreenderem que nas florestas, cheio de recursos, teriam uma vida mais digna que vir para as cidades passar fome e humilhações de todo tipo. Por sua vez, Chico Mendes era imbuído de consciência ecológica, foi eleito vereador pelo PMDB em Xapuri e em seguida passou para as fileiras do PT  foi fundado no Acre, em meados da década de setenta. Por causa de sua intervenção no processo predatório levado a cabo por pecuaristas Chico Mendes foi assassinado por um fazendeiro e seu filho no quintal de sua humilde casa,  num dos bairros da cidade de Xapuri, em 22 de dezembro de 1988.
A repercussão do crime forçou os governos federal e local a tomarem  medidas para dirimir o impacto ambiental da atividade pecuarista e madeireira na região, tais como criação de reservas extrativistas, demarcação de áreas indígenas e outras.
A pecuária, no entanto, está consolidada no Acre, bem como a atividade madeireira,  com base em planos de manejo, sendo que as populações de baixa renda continuam sem uma resposta para suas necessidades no que se refere a uma economia capaz de gerar renda e emprego para todos. Com o PAC do governo Lula foi construída uma rodovia, a chamada interoceânica que cruza a fronteira com o Peru em direção aos portos do Pacífico para exportação de carne e madeira para a China, em troca de brinquedos e eletrônicos.
*professora, escritora e historiadora acriana.
   e-mal: falmeidaramos@yahoo.com.br

Fátima Almeida*
[Professora, Escritora e Historiadora Acriana]


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